Dados da ONU, constantes do Relatório do Observatório da Emigração publicado esta sexta-feira, indicam que 22% dos portugueses vivem no estrangeiro. Saídas de 110 mil pessoas todos os anos só tem comparação com a década de 1960.
Ao contrário da expectativa do período pós-crise de que a emigração seria uma escolha para menos portugueses, o número de saídas para o estrangeiro manteve-se em 2015 no pico atingido em 2013: acima das 110 mil por ano. Esses números só encontram paralelo na tendência verificada nos anos 1960 e início dos anos 1970, quando se ultrapassou, nalguns anos, esse patamar.
Em 2015, de acordo com dados das Nações Unidas, constantes do último relatório do Observatório da Emigração, a que o PÚBLICO teve acesso, havia 2,3 milhões de portugueses no estrangeiro, o que coloca Portugal como o segundo país europeu com maior taxa de emigrantes em proporção com a população residente: 22%. Só depois surge a Croácia com 20,6%.
Mas esse número, embora revelador, é relativizado por Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia. Não está relacionado com a crise ou o pós-crise. "Resulta do nosso passado, da nossa história demográfica", diz. "Mesmo quando a emigração baixou, os portugueses nunca deixaram de emigrar."
O total acumulado de pessoas emigradas “está a aumentar muito e vai continuar a aumentar muito”, explica, por seu lado, o professor do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e coordenador do Observatório da Emigração Rui Pena Pires, que publica esta sexta-feira a versão final e completa do relatório de 2016 relativo ao ano de 2015. “A maior parte desse stock [de portugueses residentes fora] foi construída no passado mas estava a diminuir”, conclui. Começou de novo a aumentar com a crise. E ainda não é certo quando começará a reverter a tendência.
Mas o facto de os níveis actuais permanecerem altos ao fim de três anos consecutivos e de "esta nova emigração corresponder a uma população jovem e qualificada" leva Maria Filomena Mendes a considerar este cenário “mais do que preocupante, devastador, do ponto de vista da sociedade, da economia e das próprias famílias”.
Também Rui Pena Pires qualifica de “preocupante” a manutenção desta tendência. E explica: “Há muitos movimentos migratórios em duas situações: quando as economias estão muito deprimidas ou quando as economias estão a passar por uma fase muito dinâmica.”
Economia não cria emprego suficiente
Neste caso, e finda a recessão da economia portuguesa no segundo semestre de 2013, persiste, diz, uma situação em que “a economia não está a criar emprego suficiente” para responder à procura de emprego.
A questão será saber se esta realidade retira força à ideia de que Portugal saiu da crise. “Muitas vezes há um desfasamento entre o discurso político e a percepção da realidade pela população e pelos jovens em particular”, responde Maria Filomena Mendes. “Só neste momento as pessoas estão a ter a percepção de que a economia está a melhorar e que o desemprego está a diminuir. Mas entre a população mais jovem essa percepção demora um pouco mais.”
“A expectativa era que os níveis da emigração estivessem a descer significativamente”, acrescenta Maria Filomena Mendes. “É preocupante pelas características da nova emigração e que não é comparável à emigração dos anos 1960. Agora temos uma emigração qualificada. São jovens em que se investiu muito durante a sua formação académica e profissional”, realça a académica e professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Évora.
O retorno desse investimento feito em Portugal vai para o país de destino. Portugal fica a perder duplamente: perde o investimento e perde o retorno, realça a socióloga. Além disso, diz, o país acaba por perder população que é tão necessária: “população activa, jovem e qualificada, de acordo com os dados” que a sua equipa trabalha e não apenas com os que são revelados esta sexta-feira pelo observatório.
Envelhecimento acentuado
Do ponto de vista demográfico, esta estabilização dos níveis também tem um efeito negativo porque acentua o envelhecimento da população e porque quem sai são pessoas em idade de constituir família, indica Maria Filomena Mendes. A saída destas pessoas acaba por ter também um efeito na quebra da natalidade, corrobora Rui Pena Pires.
A opção de procurar melhores oportunidades no estrangeiro revela a ausência de uma expectativa para os jovens de se fixarem em Portugal, diz ainda Maria Filomena Mendes que aponta os elevados níveis do desemprego jovem em Portugal.
Em 2014, de acordo com os dados publicados no relatório, Portugal apresentava uma taxa de desemprego jovem de 36,8%, muito acima dos 16,7% do Reino Unido, dos 8,7% da Suíça ou dos 7,6% da Alemanha – os três principais países de destino da emigração portuguesa nos cinco anos entre 2011 e 2015.
Desde os anos 1960, a emigração portuguesa dirige-se sobretudo para destinos europeus, salienta o relatório, que acrescenta: “A percentagem de portugueses (residentes no estrangeiro) a viver na Europa passou de 53% em 1990 para 62% em 2015, de acordo com estimativas da ONU”.
O estudo, que analisa e compara os registos dos consulados portugueses mas também nos dados compilados pelos institutos nacionais de estatística dos países de entrada, confirma "o continuado crescimento da emigração para o Reino Unido desde 2010, a retoma do crescimento da emigração para Espanha (mais 12% pelo segundo ano consecutivo) e, surpreendentemente, uma aceleração da emigração para Angola em 2015, com um crescimento de mais de 30% em relação a 2014".
Surpreendentemente, reforça Rui Pena Pires, porque tal não era esperado com a crise económica angolana. Em resultado disso, e da descida do valor da moeda angolana, o kwanza, o valor das remessas dos emigrantes angolanos está em queda.
Os dados sobre as entradas de portugueses em França, embora escassos, apontam no sentido de uma estabilização do fluxo em valores elevados: em média, mais de 18 mil entradas por ano entre 2010 e 2015. E isso significa, realça Rui Pena Pires, que nos últimos seis anos entraram em França 100 mil portugueses. A França continua a ser o país estrangeiro onde mais portugueses residem, e o segundo onde mais portugueses entraram em 2015, logo a seguir ao Reino Unido onde ainda não se sente nestes dados o efeito que poderá vir a ter a decisão tomada em 2016 do país sair da União Europeia, refere o investigador.
Para Rui Pena Pires, a situação actual é ainda mais preocupante porque “o país está numa situação em que não consegue atrair ninguém”. A imigração tem vindo a diminuir.