Uma semana depois da vitória do 'Brexit', o Reino Unido está em crise política, com as lideranças dos principais partidos em jogo, e a União Europeia começa a sair do choque e a preparar o futuro a 27.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou a demissão na sexta-feira, depois da derrota no referendo em que fez campanha pela permanência na UE, remetendo o processo de saída para o seu sucessor, a designar pelo Partido Conservador a 09 de setembro.
A apresentação de candidaturas decorre até às 12:00 de hoje e os primeiros foram o atual ministro do Trabalho e Pensões, Stephen Crabb, e o antigo ministro da Defesa e eurocético Liam Fox, esperando-se ainda as do ex-presidente da câmara de Londres e dirigente da campanha pela saída da UE Boris Johnson, considerado favorito, e da ministra do Interior, Theresa May, europeísta.
No Partido Trabalhista, as críticas ao líder, Jeremy Corbyn, começaram assim que foram conhecidos os resultados do referendo, com muitos a acusarem-no de não se ter envolvido suficientemente na campanha pela permanência.
Na segunda-feira, depois do desfile de demissões de "ministros sombra" durante o fim de semana, uma moção de censura ao líder, não vinculativa, foi aprovada por 172 deputados trabalhistas, contra 40, e na quarta-feira, no parlamento, o próprio Cameron desafiou Corbyn a demitir-se, "em nome do interesse nacional".
O líder trabalhista recusa, afirmando ter sido eleito por 60% dos militantes, mas muitos observadores admitem que alguém no partido desafie a sua liderança, possivelmente a antiga porta-voz do 'Labour' para as empresas, Angela Eagle.
O referendo de 23 de junho, em que o "Sair" venceu por 52% contra os 48% do "Permanecer", teve outro efeito no Reino Unido que muitos comentadores admitem poder ser o princípio da desagregação das nações britânicas, desde logo a Escócia.
A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, respaldada pelo apoio maioritário dos escoceses à permanência na UE (62%), suscitou a possibilidade de um segundo referendo sobre a independência e visitou Bruxelas, na quarta-feira, para "preservar a relação e o lugar da Escócia na UE". Saiu "encorajada", mas ciente de que é um "caminho inexplorado" e de que "não há uma solução fácil".
Outra consequência do referendo foram as divisões que se geraram no país: entre novos e velhos, urbanos e rurais e britânicos e estrangeiros.
Durante a semana, uma série de ataques racistas e xenófobos visaram estrangeiros, incluindo portugueses, tendo as autoridades registado mais 57% de queixas de crimes de ódio desde sexta-feira, quando foram conhecidos os resultados.
Membros da comunidade portuguesa relataram à Lusa incidentes em Londres, País de Gales ou Norfolk, acrescentando que nem todos são divulgados por receio de represálias.
Na UE, a vitória do Brexit gerou uma onda de choque, patente no tom irritado das declarações.
Os presidentes das instituições europeias - Jean-Claude Juncker, da Comissão, Donald Tusk, do Conselho, e Martin Shulz, do Parlamento -- falaram em "divórcio litigioso" e pediram a Londres para "clarificar o mais rapidamente possível" a situação
Em causa está o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, a "formalização" do pedido de "divórcio", com várias vozes a pedirem a Londres que o acione rapidamente, dando início aos dois anos de negociações previstos nos tratados.
Na terça-feira, após o "jantar de despedida" do Conselho Europeu a Cameron, descrito por vários dos participantes como emotivo, e na quarta-feira, dia da primeira cimeira sem o Reino Unido, os 27 aceitaram dar tempo a Londres para respirar e absorver o choque, "deixar o pó assentar" nas palavras de Tusk, mas insistiram que não podem ficar "meses a meditar", como disse Juncker.
As duas reuniões serviram para uma primeira definição das "linhas vermelhas" que vão marcar as negociações.
Cameron defendeu uma alteração às regras de livre circulação como decisiva na futura relação com a UE, recebendo como resposta, de Merkel, Tusk e Juncker, que a relação não vai ser definida 'à la carte' e que as quatro liberdades de circulação -- incluindo a de pessoas -- são indissociáveis do acesso ao mercado único europeu, essencial para a economia britânica.
Os 27 voltam a reunir-se a 16 de setembro, em Bratislava, para discutir o futuro da UE sem o Reino Unido.