A eventual saída do Reino Unido da União Europeia (’Brexit’) pode criar instabilidade nos mercados e restrições aos emigrantes portugueses no país, mas também pode abrandar a economia portuguesa e reduzir o turismo, segundo analistas contactados pela agência Lusa.
“Como o crescimento económico global iria ser ainda mais moderado, o crescimento da economia portuguesa também abrandaria/estagnaria, e, consequentemente, assistir-se-ia a menores crescimento dos rendimentos das famílias”, disse à Lusa o economista-chefe do banco Montepio, Rui Bernardes Serra.
Além disso, o turismo português “poderia ser especialmente atingido, dado o elevado peso dos turistas britânicos no total dos turistas que visitam Portugal”, que representam 20,2% das dormidas de não residentes, uma queda da procura que resultaria “da recessão que o Reino Unido vivenciaria, bem como da queda da libra, que tornaria as viagens ao exterior bem mais caras”, acrescentou o analista.
Por outro lado, considerou, “o Reino Unido deixaria de ser o país atractivo que é actualmente para os emigrantes portugueses, não só porque a recessão iria diminuir as oportunidades no mercado de trabalho, como também porque as reforçadas restrições em termos de imigração condicionariam as novas entradas de cidadãos estrangeiros no país”.
Já o economista do banco Carregosa, Rui Bárbara, admite uma “forte volatilidade nos mercados”, embora parte dessa instabilidade já tenha sido “incorporada” nos últimos dias, com a queda acentuada das acções, não só em Portugal como na Europa, e a subida dos juros da dívida pública.
“Mas o maior impacto será o da criação de um precedente da saída de um país da UE que pode levar a questionar também a presença de alguns países ou regiões na zona euro”, disse.
Também Rui Bernardes Serra considera que, “com a saída da segunda maior economia da região, a União Europeia não ficaria apenas fragilizada, mas seria aberta uma ‘caixa de Pandora’, um precedente para outros países passarem a exigir tratamentos excepcionais”.
“A Grécia quereria certamente um quarto resgate e Portugal e Itália poderiam clamar por mais tempo para corrigir as suas enormes dívidas. França reclamaria mais apoios para a PAC e a Espanha bater-se-ia por tratamentos excepcionais com o pano de fundo dos temores em relação às suas regiões que pretendem autonomia”, afirma.
Mesmo que o Reino Unido permaneça na União Europeia, Rui Bernardes Serra admite que existe um “crescente aumento do eurocepticismo” e que “muitos cidadãos afirmam querer que alguns poderes sejam devolvidos às suas instituições nacionais”, embora “a maioria dos cidadãos dos diversos países continue a preferir permanecer a sair da UE”.
Instabilidade dos mercados pode chegar a Portugal
Uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia (’Brexit’) poderá significar um agravamento da instabilidade dos mercados financeiros internacionais, com consequências imediatas para os países mais vulneráveis, como Portugal, segundo economistas ouvidos pela Lusa.
Para a economista Paula Gonçalves Carvalho, do departamento de Estudos Económicos e Financeiros do BPI, em caso de ‘Brexit’, numa primeira fase, “certamente a instabilidade nos mercados financeiros internacionais se agravaria”. Para Portugal, o impacto imediato na óptica da economista seria relevante, na medida em que o país continua vulnerável, dependente do sector externo para obter financiamento.
“O Reino Unido é um parceiro histórico de Portugal, as relações e os laços são muito fortes”, lembra. “Ou seja, o fluxo de emigração teria que encontrar alternativas; eventualmente, poder-se-iam registar alguns retornos (de emigrantes portugueses no Reino Unido), caso as condições para a população estrangeira se degradem de forma significativa”, disse ainda, ressalvando que o fluxo migratório mais especializado, de indivíduos mais qualificados, não deverá ser negativamente afectado.
Para Eduardo Silva, gestor da XTB, na Europa, a dimensão do impacto político, económico e social de uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia será “grande”.
“A capacidade de criar as primeiras fendas no projecto europeu não deverá ser desvalorizada, basta referir a intenção da Holanda e da Finlândia de avançar de imediato para referendos similares”, disse. “A centralização do poder na Alemanha é outro factor de preocupação para os periféricos”, acrescentou.
Já para Portugal, segundo Eduardo Silva, perante um cenário de uma eventual saída do Reino Unido, outros países poderão seguir pelo mesmo caminho, factor que poderá gerar uma grande incerteza nos mercados e, por consequência, aumentar os juros da dívida, principalmente nos países periféricos que já se debatem com preocupantes rácios de endividamento.
Já Ricardo Paes Mamede, do ISCTE -- Instituto Universitário de Lisboa, não acredita que seja possível antecipar as implicações de uma eventual vitória do ‘Brexit’.
Por um lado, considera que em termos económicos os estudos que têm sido apresentados “assentam em hipóteses questionáveis”, já que as implicações económicas dependem essencialmente da reacção dos investidores “e estas dependem crucialmente das soluções que vierem a ser encontradas num tal cenário”, sendo que “a este nível está tudo por definir”.