Diz-se que há, pelo menos, um madeirense em todos os cantos do Mundo. Após os vários fluxos migratórios devido à crise mundial e mais recentemente a pandemia, qual é, hoje, a dimensão mundial e a distribuição segmentada da diáspora madeirense? Os madeirenses são um povo que sempre fez parte dos movimentos migratórios. Há registos históricos das primeiras vagas de emigração que remontam ao século XVI para países como o Brasil, para Havai ou para os Estados Unidos da América.

Entrevista Rui Abreu

 


Como sabemos é muito difícil termos números precisos de quantos madeirenses existem espalhados pelos vários países do Mundo. Aquilo que temos são estimativas. Isto porque, se por um lado a Constituição da República Portuguesa, confere a todos os portugueses o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar, por outro lado, os mesmos, muitas vezes, não se registam no Consulado de Portugal do país de acolhimento onde decidiram viver e trabalhar.
Também, e devido a vários fatores de instabilidade nalguns países de acolhimento, sabemos que muitos dos nossos conterrâneos de 2ª e 3ª geração saem para outros países, por exemplo, no caso da Venezuela, alguns estão a sair para os países vizinhos como Chile, Peru, Equador, Colômbia, Brasil, Panamá, enquanto outros estão a optar por regressar para o Norte de Portugal e para a Madeira.
Com certeza teremos mais de 1 milhão de madeirenses espalhados pelo mundo, quer em países mais próximos de Portugal, como na Europa, mas também nos restantes Continentes (América do Norte, América do Sul, África, Ásia e Oceânia).
Atualmente estimamos que nos principais países de acolhimento das nossas comunidades residam na República da África do Sul cerca de 400 mil pessoas, na Venezuela outras 400 mil pessoas, no Reino Unido cerca de 150 mil pessoas, das quais 20 mil em Jersey, na Austrália cerca de 50 mil pessoas, nos EUA cerca de 50 mil pessoas, no Canadá mais 50 mil conterrâneos e no Brasil, onde podemos falar de uma total aculturação, cerca de 100 mil pessoas.
Com a situação pandémica que o mundo vive, houve uma estagnação migratória. Não houve qualquer fluxo migratório durante a pandemia, até porque o confinamento é regra de ouro para conter o surto. Obviamente não sabemos o que poderá acontecer no pós-covid-19. É imprevisível.
Vivemos tempos difíceis, em que mais uma vez somos chamados a enfrentar novos e grandes desafios.
Os nossos emigrantes mais do que ninguém, sabem o significado de adversidade, tantas foram as vezes que a enfrentaram e souberam vencer as provações que a vida lhes colocou.
É graças aos nossos emigrantes, ao seu espírito pioneiro e temerário, ao seu trabalho e esforço, que a Madeira não termina na Ponta de São Lourenço. A Madeira não seria aquilo que é sem a sua Diáspora.

Por cá, quantos emigrantes regressaram à Região no último ano e quais são os concelhos que mais viram regressar os filhos da terra? Desde 2017 estima-se que tenham regressado 10.000 madeirenses da Venezuela, devido à crise interna que se vive naquele país. Funchal, Câmara de Lobos, Ponta do Sol, Calheta e Santa Cruz foram os concelhos que mais luso-venezuelanos viram regressar à terra. Dos portugueses regressados, temos mais de 7.500 inscritos no sistema regional de saúde e novos 1.500 alunos inscritos nas escolas da Região.
Também tivemos alguns regressos em muito menor número da África do Sul. Além disso, o fluxo é o normal, entre entradas e saídas da Madeira para esses países. Porque esta dinâmica acontecerá sempre.

Como está o Governo a acompanhar a situação dos madeirenses na África do Sul, onde a comunidade portuguesa tem vários membros a passar fome devido às consequências laborais provocadas pela covid-19? E na Venezuela, além da pobreza e a da fome, o sistema de saúde está falido? E em Inglaterra, um dos destinos preferenciais até há bem pouco tempo dos madeirenses? O Governo Regional acompanha desde sempre com muita proximidade e assiduidade as comunidades madeirenses espalhadas pelo Mundo. Naturalmente que este é um período difícil para todos. Para todos os países. Para todas as economias do Mundo. Para todas as pessoas.
Nenhum país, nenhum território estava preparado para fazer face a uma crise que começou por ser sanitária e rapidamente se transformou numa crise social e económica sem precedentes na história recente.
Situações de carência foram provocadas pela crise pandémica em todo o mundo, e infelizmente as nossas comunidades não são exceção. É aqui que todos somos chamados a ser solidários com aqueles que mais necessitam, desde o Governo da República, Governo Regional, às Associações e às Missões Portuguesas.
Assim, a nossa preocupação é ainda maior para com as nossas comunidades. Por isso temos estado em contato permanente com os nossos conselheiros e representantes que nos dão conta de como os nossos conterrâneos estão a viver durante este tempo de pandemia. O que pretendem é que rapidamente se comece a retoma da atividade económica. Que se inicie o voltar de alguma normalidade, para poderem continuar com as suas vidas.
Em relação à Venezuela, que atravessa uma crise política, social, e económica há já alguns anos, as informações que temos é que a situação da pandemia, estará razoavelmente controlada, pelo menos na nossa Comunidade.
No Reino Unido, o sistema de saúde, embora sobrecarregado, funciona. Tem uma economia mais robusta e o apoio social é mais eficaz. Sabemos que os nossos conterrâneos com trabalho e descontos efetuados receberam do governo daquele país 80% do valor da remuneração. Para os restantes, que não efetuavam descontos e estavam há menos de cinco anos no país, o que felizmente não são muitos, há uma comparticipação de um valor próximo das 800 libras.

Quais são as principais dificuldades e desafios que enfrentam as comunidades nesta fase de desconfinamento internacional? Os desafios que a comunidade madeirense enfrenta são comuns à realidade de todos os países de acolhimento que neste momento estão a desconfinar. Até porque os nossos conterrâneos estão perfeitamente integrados nas sociedades onde trabalham e vivem. Claro que há sempre especificidades conforme já referido nas anteriores respostas.

Regularmente, na qualidade de director regional das Comunidades e Cooperação Externa, tem tido reuniões via Zoom com os conselheiros espalhados pelo Mundo. Há já previsão para quando serão retomadas as visitas oficiais e presenciais do Governo Regional às comunidades? Tínhamos previsto já ter estado presente em eventos e atividades nos Açores, em Jersey e Londres, na África do Sul, na Venezuela, no Curaçau e Panamá.
Tudo isto foi cancelado. De outra forma não poderia ser. É muito difícil de prever, neste momento, quando retomaremos estes programas. Chagámos a pensar na Venezuela em outubro, mas tudo vai depender do evoluir da situação em cada país, e também da disponibilidade de voos.
Os nossos conterrâneos, ao atravessarem mares e oceanos, levaram consigo toda a garra de um povo corajoso que sempre ultrapassou barreiras, que sempre superou dificuldades e sempre soube contribuir para o crescimento da economia dos países de acolhimento.
Nunca baixámos os braços. Não somos um povo que desiste. Somos um povo que trava batalhas! E vence! Onde quer que vá.

DN-Madeira 29.06.2020