A Madeira é conhecida pelas suas paisagens, tradições – e pelo vinho lendário que chegou a agraciar as mesas dos Pais Fundadores dos Estados Unidos.

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Reza a lenda que, quando no século XV os exploradores portugueses encontraram uma série de ilhas verdejantes – menos de uma semana depois de terem partido de Portugal – os marinheiros ficaram escondidos nas suas naus durante dias, com o receio de bestas de dentes afiados que imaginavam habitar as florestas densas do arquipélago.

Seriam estas as Ilhas Afortunadas esboçadas pelos cartógrafos da Grécia antiga? Ou talvez fosse a lendária porta de entrada de Plutarco para os Campos Elísios?

Mas o arquipélago estava desabitado e a sua maior ilha não tinha uma presença de vida animal abundante. Por outro lado, o solo era incrivelmente fértil e rapidamente se transformou num laboratório rico em nutrientes para testar as sementes recolhidas em viagens pelo mundo inteiro. As castas do Mediterrâneo (Malvasia) e de Portugal continental (Sercial, Verdelho e Boal) foram plantadas ao lado da Jacaranda mimosifolia, da América do Sul, e da Plumeria rubra, da Polinésia, em vinhas que depressa cobriram a ilha. E enquanto as raízes se estabeleciam na região, o mesmo aconteceu com o gosto pelo vinho único deste arquipélago montanhoso.

 

Terras de cultivo
Localizada no Oceano Atlântico, a cerca de 480 km da costa oeste de Marrocos, a Madeira é um arquipélago autónomo português. A ilha principal (também chamada Madeira) é pequena – tem apenas 741 km quadrados – mas os seus terrenos são diversificados. As praias ensolaradas dão lugar a plantações de banana, cana-de-açúcar e a vinhas suportadas por montanhas escarpadas e pelo planalto envolto em névoa de Paúl da Serra.

Esta cadeia de ilhas foi formada por vulcões submarinos e as suas falésias estão repletas de levadas – canais históricos de irrigação que transportam água doce do norte da ilha até às quintas mais a sul. Algumas levadas atravessam a Laurissilva, a maior floresta de louros sobrevivente do mundo (reconhecida pela UNESCO), um vestígio das florestas primitivas que cobriram o sul da Europa há milhões de anos. Aqui, sem a presença de predadores, as plantas evoluíram e atingiram tamanhos consideráveis – e inspiraram alguns naturalistas ingleses a dedicarem-se à poesia.

 

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Numa caminhada guiada, Gonçalo Vieira, da Madeira Experience, destaca os medronhos, o mirtilo madeirense e os lírios-do-vale. "Estes fetos de dimensões jurássicas são fósseis vivos", explica Gonçalo. “A espécie exata foi considerada um fóssil com 6 milhões de anos.” Passando pela vegetação exuberante, vemos o bis-bis da Madeira, uma ave minúscula e vibrante. Lá em cima, vemos um par de pombos-torcazes-da-madeira, outra espécie endémica.
Embora a Levada das 25 Fontes seja a mais conhecida, existem mais 2.495 km de levadas por onde escolher: peça ao seu guia para visitar um dos caminhos menos percorridos. Uma das melhores caminhadas fica entre o Pico do Arieiro e o Pico Ruivo, o terceiro pico mais alto e o pico mais alto da Madeira (1.818 metros e 1.862 metros respetivamente). Este reino de alta altitude é o local de nidificação da Pterodoma madeira, ou freira-da-madeira, uma das aves mais raras do mundo. A vista do pico mostra a topografia da ilha que se desdobra perante o nosso olhar em toda a sua glória – imperdível ao nascer do sol.

 

Prove o vinho
O vinho da Madeira era o tónico diário de George Washington. Alexander Hamilton e todo o elenco de Pais Fundadores da América elegeram-no para celebrar ocasiões importantes. Thomas Jefferson costumava escrever sobre os "sedosos" vinhos da Madeira; mais tarde, para comemorar a compra do Louisiana com um brinde, Jefferson escolheu o vinho da Madeira como o vinho que representava a América. E James Madison tinha vários barris guardados no seu sótão.

O que torna os vinhos da Madeira tão especiais? São vinhos encorpados – que podem ser secos e saboreados como aperitivos, ou doces e servidos com a sobremesa – e costumam ter sabores térreos a frutos secos, frequentemente comparados aos do caramelo, açúcar queimado e casca de citrinos cozida. Estes sabores originam de uma combinação entre variedades de uva, mistura, oxidação e dos efeitos das oscilações de calor ao longo do tempo. Tal como o vinho do Porto, estes vinhos também amadurecem ao longo de décadas (e às vezes séculos) de envelhecimento.

"O vinho da Madeira vive para sempre", diz Alberto Luz, escanção no Belmond Reid's Palace, referindo-se à longa história da bebida. Inicialmente, o vinho era tão misterioso quanto popular. Os marinheiros encorpavam o vinho com conhaque para aguentar a longa viagem até à Índia, mas descobriram que o conteúdo dos barris adquiria um sabor ainda mais agradável no final da jornada. “Os marinheiros tentaram replicar o que estava a acontecer nas naus, movendo os barris para frente e para trás, para ver se o movimento era a chave”, diz Alberto Luz. "Eventualmente, perceberam que era por causa do calor."

Existem oito produtores de vinho da Madeira, e alguns, como Barbeito ou Henriques & Henriques, recebem visitantes para visitas e degustações. No fascinante museu da Blandy’s Wine Lodge, no Funchal, a guia Sofia Marques diz "bem-vindo ao céu", mostrando os barris envelhecidos, que não estão em adegas, mas sim em sótãos, e que reproduzem as condições dos porões abafados dos antigos navios. No seu pequeno restaurante, a Blandy's tem um menu em constante mudança – experimente combinações como o Bual 10 Anos servido com carne de porco preto ibérico e carpaccio de ananás, batata doce da região e uma pera embebida em vinho da Madeira.
O vinho da Madeira desapareceu de grande parte das mesas americanas depois de ter sido proibido durante a Lei Seca. Hoje, está de regresso, sobretudo em festas com sotaque da Madeira. Mas provar um vinho da Madeira puro, sem adulteração, é como beber a história por um copo. E existem histórias interessantes: em 2015, foi descoberto no Museu Liberty Hall de Nova Jersey um carregamento da época da Lei Seca, com garrafões e caixas de vinho centenárias da Madeira. Uma dessas garrafas, datada de 1796, foi leiloada pela Christie’s por cerca de 16 mil dólares – e o vinho ainda está bom.

 

Planeie a sua viagem
Como ir: Para quem vive na América do Norte, a TAP Air Portugal faz voos diretos para Lisboa a partir de sete aeroportos nos EUA e em breve vai adicionar 15 novos voos semanais dos EUA e do Canadá para Portugal. O programa de escala da TAP permite que os visitantes permaneçam até cinco dias em Lisboa, sem custos adicionais, antes do salto até à Madeira, onde os aviões aterram no aeroporto Cristiano Ronaldo, nome que homenageia o famoso futebolista madeirense.
Onde ficar: O Funchal, a capital vibrante da Madeira, é uma excelente base. Na Quinta da Casa Branca, pode dormir na mansão histórica de antigos comerciantes de vinho da Madeira (incluindo o Leacock que ainda existe). Os jardins botânicos do hotel, plantados com mais de 260 espécies, são excelentes; e têm plantações de banana mesmo ao lado de uma piscina alimentada por uma levada. E no hotel Quinta Jardins do Lago, os jardins também são encantadores.
Prove cocktails criativos de vinho da Madeira feitos por Luís Sousa, no lendário Belmond Reid’s Palace (fundado em 1891), que fica num penhasco com vista para a baía do Funchal. Uma das bebidas, que tem o nome do hóspede mais famoso do hotel, Churchill, mistura Absolut vodka com Verdelho 10 Anos. Ali ao lado, no elegante Les Suites at the Cliff the Bay, a piscina infinita parece flutuar por cima da baía do Funchal.

O que fazer: Se estiver farto de relaxar nas piscinas naturais de Porto Moniz, na costa noroeste da Madeira, experimente uma aventura cheia de adrenalina, como canoagem, mergulho, escalada ou trilhos de corrida. (A ilha recebe a corrida Madeira Island Ultra Trail, ou MIUT, em abril.)
Com uma vasta riqueza cultural, a Madeira organiza um calendário de eventos anual, incluindo a Festa do Vinho Madeira no início de setembro. Também há vários espetáculos de ranchos folclóricos, uma colheita tradicional de uvas e um desfile que mostra a história do vinho da Madeira. Também é possível aprender coisas divertidas sobre o vinho e curiosidades da ilha com um passeio a pé pelo Funchal, ou explorando as vinhas da ilha com a Wine Tours Madeira. A guia, Sofia Maul, destaca as borboletas-monarca que voam pelos jardins do Funchal.

“Estas borboletas podem ser conhecidas pela sua grande migração na América do Norte”, diz Sofia, “mas depois de terem vindo aqui parar, sopradas por uma tempestade, nunca mais encontraram razões para partir.”

In «National Geographic»