Miguel Albuquerque diz que vai reconhecer presidente interino este fim de semana. O executivo já o admitiu, mas só toma posição depois de expirar prazo dado a Nicolás Maduro
O presidente do Governo Regional da Madeira antecipou-se e afirmou que reconhece Juan Guaidó como único presidente legítimo da Venezuela. A posição, que irá vincular as autoridades madeirenses, coloca pressão no posicionamento que Portugal, enquanto país membro da União Europeia, tem adotado: dar um prazo a Nicolás Maduro para convocar novas eleições.
Ainda que a posição da Madeira não ponha em causa o que é definido pelo governo da República, a verdade é que a Região Autónoma da Madeira quis dar um claro sinal político de que é mais sensível aos problemas de Caracas – graças à grande comunidade de madeirenses emigrados na Venezuela e ao cada vez maior número de lusodescendentes que procura agora uma nova vida no arquipélago.
“A única vontade que compromete o Estado português no plano internacional é a que é expressa pelo governo nacional”, explica ao i o embaixador Francisco Seixas da Costa, lembrando que “somos um país unitário”.
“A Região Autónoma da Madeira ao tomar esta posição, que é uma decisão de afirmação política, tem a consciência objetiva de que isto não tem qualquer consequência no plano das relações bilaterais entre Portugal e a Venezuela, é uma manifestação política. E a Região também deverá querer apenas afirmar essa posição”, adiantou o diplomata.
Mas mesmo não tendo consequências no plano internacional, esse sinal político não pode ser desvalorizado no plano interno. “Temos de perceber que há uma particular sensibilidade da Madeira com a questão venezuelana, há muitos madeirenses a viver na Venezuela, vários a regressar nos últimos tempos, inclusivamente tem havido até ações sociais de apoio médico, feitas no quadro da Madeira. A sensibilidade é maior do que no resto do país e esta atitude é motivada por essa especial sensibilidade. É natural que na Madeira as pessoas estejam preocupadas, falta saber se esta posição é a que melhor defende os interesses das pessoas que estão na Madeira – o processo interno venezuelano é muito complexo e cada passo tem de ser medido com muito cuidado”, afirma, acrescentando que esta opção de Miguel Albuquerque mostra que se quis assumir uma posição antes da tomada de decisão nacional: “E isso não deixa de ter um significado político para o governo do Continente”.
O grito de revolta de Miguel Albuquerque
Segundo declarações publicadas ontem pelo “Expresso”, Miguel Albuquerque decidiu não esperar pela posição do Continente para dizer o que pensa a Madeira sobre a Venezuela: “O governo português ainda não disse, mas digo eu. No próximo fim de semana vou reconhecer Juan Guaidó como presidente da Venezuela”.
O presidente do Governo Regional da Madeira falou ainda da sensibilidade acrescida do arquipélago com esta matéria: “A nossa comunidade está numa situação terrível, todos os dias recebemos aqui pessoas que chegam na penúria, a precisar dos mais variados cuidados”. De assinalar também que a Madeira terá eleições regionais a 22 de setembro, e nenhum político na Madeira é indiferente ao eleitorado potencial lusodescendente.
Segundo Albuquerque, “o único poder legítimo, aquele que foi eleito democraticamente, e esse poder é o da Assembleia Nacional”.
Apesar de se antecipar, diz não estar em colisão com o governo da República nem com a União Europeia: “Estamos com os que querem um processo de transição e eleições livres e democráticas.”
Contactado pelo i, o Ministério dos Negócios Estrangeiros remeteu para mais tarde uma posição, uma vez que o ministro Augusto Santos Silva se encontra em Bucareste para participar numa reunião de homólogos europeus.
Contudo, o governo já admitiu reconhecer Juan Guaidó como presidente interno, se o regime de Nicolás Maduro não convocar eleições no prazo de oito dias. O prazo termina este domingo e a posição portuguesa está em linha com a da União Europeia, num caso em Portugal tem sido dos Estados-Membros europeus mais ativos do ponto de vista diplomático.
No passado, Alberto João Jardim, enquanto presidente do Governo Regional da Madeira, chegou a receber em 1986 o então presidente sul-africano, Pieter Botha, numa altura em que Portugal e a comunidade internacional atacavam e lutavam contra o regime de Apartheid sul-africano. Na altura, o então primeiro-ministro, Cavaco Silva ficou "muito irritado com as declarações do líder do PSD/Madeira", sobretudo porque Alberto João Jardim "proferiu ataques à política externa africana seguida pelo Governo - com forte ressonância na comunicação social", como relatou o também ex-presidente da República no seu livro Autobiografia Política I. E, Cavaco Silva chegou a ter de colocar um ponto final no assunto ao assegurar publicamente que a visita de Botha em nada alterava "a política externa portuguesa em relação à Africa do Sul". Ou seja, não houve concertação entre Governo Regional e Governo da República, apesar de ambos serem do PSD.
[Notícia corrigida às 17h38 com referências à obra Autobiografia Política I, de Aníbal Cavaco Silva]