Filho de pais madeirenses, José Nascimento é natural da África do Sul, onde exerce advocacia, com uma especialização em Direito Internacional.

JoseNascimento

A terceira geração de lusodescendentes nascida na África do Sul está a emigrar devido á instabilidade política e socioeconómica do país. Mas, ao contrário do que se poderia pensar, Portugal não é seu destino, porque a sua integração no nosso país esbarra com um sem-número de processos burocráticos, que começam logo no momento de pedir equivalência académica. O problema devera ser abordado no Fórum Madeira Global.

 

Vem á Madeira para participar no Fórum Madeira Global em representação da Comunidade da África do Sul. O que é que se pode esperar deste encontro?
O Fórum tem sempre a sua utilidade porque se discute os problemas que afetam a diáspora madeirense e que são diferentes de pais para pais. E o nosso objectivo é aconselhar o Governo Regional em relação a esses problemas. De resto, é importante termos esta conferência anual para trocarmos opiniões.

 

A comunidade madeirense na África do Sul tem preocupações?
Estamos preocupados com a instabilidade politica em África do Sul e estamos esperançados que o novo presidente, Cyril Ramaphosa, possa dar a volta e criar um país forte. Temos vários problemas da ordem socioeconómica, que têm que ser resolvidos porque se não forem vamos ter problemas muito sérios no futuro. Pessoalmente, estou confiante que Ramaphosa torne este país naquilo que já foi no passado, sobretudo durante a presidência de Thabo Mbeki, que governou entre 1999 e 2008.

 

A África do Sul já não é mais um país atrativo para a emigração?
Não é um país atrativo para a emigração madeirense, salvo alguma exceção. Hoje, a África do Sul é atractiva para emigrantes sobretudo de Moçambique e Zimbabwe. Atualmente, o país deve ter cerca de dez milhões de emigrantes africanos, muitos dos quais ilegais, o que causa algum transtorno em termos sociais e económicos. Em relação á comunidade portuguesa/madeirense, o maior transtorno está relacionada com o BES e o BANIF, cujos problemas parecem não ter solução concreta. O que se passou foi um autêntico balde de água fria para aqueles que investiram. Muitas dessas pessoas trabalharam uma vida inteira e enviaram as suas poupanças para Portugal porque tinham medo de ter o seu dinheiro num país instável como a África do Sul. Resultado: muitos deles perderam todas as suas poupanças porque foram aldrabados por bancários que iam a África do Sul vender pacotes que supostamente dariam juros mais elevados, sem nunca explicar aos clientes que, na prática, estavam a jogar na bolsa de valores e que poderiam perder os seus investimentos.

 

Acredita numa solução para eles?
Acredito que esses problemas não serão resolvidos pela via jurídica mas devem sê-lo pela via política, porque através da via jurídica os problemas demoram anos e anos até serem resolvidos e não há garantia nenhuma que, após anos de litigio, os tribunais portugueses vão proferir uma sentença favorável a esses clientes não residentes em Portugal. Muito sinceramente acho que o Governo Português tem responsabilidades sobre aquilo que aconteceu e não pode se ilibar disso. Recordo que o primeiro-ministro Passos Coelho e o Presidente Cavaco e Silva deram a sua garantia de que o BES estava solido, apenas um mês antes do colapso daquele banco. Portanto, ou os políticos enganaram o povo português com essas declarações ou os políticos portugueses estavam muita mal informados.

 

A insegurança é um problema na África do Sul?
É um problema geral na sociedade sul-africana, que é agressiva e que viveu sempre num sistema de agressividade. Mesmo durante o Aparthaid, os governantes usavam a violência e os oprimidos recorriam também á violência. Portanto, cultivou-se uma cultura de violência, cultura essa que continua mas temos de mudar.

 

Esse é o desafio da próxima geração?
De certeza que é um dos desafios, a par do ensina e da formação.

A terceira geração de emigrantes portugueses nascida na África do Sul está a fixar-se no pais ou emigra?
Há um êxodo muito grande desses jovens para países de expressão inglesa, a exemplo do Canada, dos EUA, do Reino Unido, da Austrália, Nova Zelândia e da República da Irlanda. E isso acontece porque essa geração fala muito melhor inglês do que português e porque a cultura desses países é mais semelhante á África do Sul do que a portuguesa. Por outro lado, esses jovens têm mais facilidade na integração nesses países do que em Portugal. Depois há o problema da burocracia. Por exemplo, uma criança ou um jovem que venha para Portugal tem muitíssimo mais dificuldade em obter a equivalência escolar do que se for para um daqueles países que mencionei. Esta é uma preocupação que se tiver oportunidade vou apresentar no Fórum.

 

Que se pode esperar da África do Sul?
Eu sou orgulhosamente sul-africano e adoro o meu país e sou muito positivo em relação ao futuro, embora reconheça que o pais esta a passar por uma fase muito difícil, tanto ao nível politico como social e económico.

 

E a Madeira é um bom local para se viver?
A Madeira é um paraíso! Os residentes talvez não se apercebam do paraíso em que vivem. Claro que há problemas, como os outros territórios, mas, em relação aos outros locais, é um paraíso. Devo dizer que tenho a intenção de vir passar os últimos anos da minha vida na Madeira.

 

In «JM»