Basta caminhar alguns minutos pelas ruas de Lisboa para perceber a quantidade de brasileiros por todos os lados. Apenas em 2017, cerca de 870 mil turistas brasileiros visitaram o país.
Mas não é só. Os brasileiros são a maior comunidade de estrangeiros residentes em Portugal. Oficialmente, são cerca de 80 mil pessoas, mas especialistas afirmam que este número é bem maior. Os dados foram divulgados pelo escritório de estatística da União Europeia.
A migração de brasileiros para a “terrinha” não é de hoje e já sofreu mudanças significativas. A escritora Ana Silvia Scott, em seu livro Portugueses, relata como a migração mudou os sentimentos entre portugueses e brasileiros nas últimas décadas.
Ana Silvia recorda que, na década de 1980, os brasileiros que chegavam a Portugal eram recebidos com cordialidade e simpatia por uma população cheia de memórias carinhosas do Brasil. Naquela época quase todos os portugueses tinham histórias de parentes que foram para o Brasil.
Em 1977, os portugueses assistiram a novela brasileira Gabriela, adaptada da obra de Jorge Amado, e a trama modificou comportamentos e a rotina dos portugueses. Além da música, as belezas naturais e o futebol. Zico, Falcão, Sócrates e Júnior, craques da “seleção canarinho”, eram famosos do outro lado do Atlântico.
No ano de 2000, afirma Ana Silvia em seu livro, que o cenário começou a mudar e o incômodo dos portugueses se tornou evidente. “O sentimento desagradável com relação aos brasileiros surgiu em Portugal devido a intensificação de migrantes de baixa renda e pouca escolaridade”.
Enquanto nas décadas de 80 e 90 a migração era em sua maioria de dentistas, publicitários e profissionais da área de informática, insatisfeitos com a instabilidade econômica gerada no governo Collor; nos anos 2000, o perfil preponderante de brasileiros era composto por trabalhadores da construção civil, do comércio, dos restaurantes e do serviço doméstico.
Atualmente houve uma mudança no perfil do brasileiro que migra para Portugal. O que se tem observado é um grande número de pessoas de classe média e alta, que têm optado por viver no país fugindo da violência e da insegurança. Não é raro ouvir relatos como o do engenheiro brasileiro Zwy Goldstein, 60 anos, que optou deixar São Paulo após ter sido assaltado.
A aposentada carioca Lurdes Martins, 66 anos conta que tirava brincos, anéis e colares para andar nas ruas de Ipanema, onde morava. “O contexto brasileiro – social, político e econômico – foi o que me impeliu a emigrar para Portugal. Além da minha admiração pelo país e pelo povo português. A qualidade e o custo de vida é bem melhor que no Brasil. Estou bem feliz aqui”, afirma Lurdes.
Ela é bancária aposentada e obteve o visto de “residência temporária” em Portugal. Esse tipo de visto é concedido para estrangeiros que comprovem ter rendimentos para se manter no país. O valor necessário para a obtenção do visto varia de acordo com a quantidade de pessoas da família que se candidatar a viver no país.
O engenheiro Zwy e sua mulher vieram para Portugal com o mesmo visto que Lurdes. Ele conta que, após ter tomado um tiro em uma tentativa de assalto em São Paulo, chegou à conclusão de que não dava mais para viver no Brasil.
“Eu nunca tinha pensado em vir para Portugal, mas comecei a ler matérias que falavam do país. Então resolvi vir com a minha mulher, em março de 2016, para dar uma olhada. Eu adorei isso aqui e, em 24 horas, eu decidi: quero mesmo é ficar aqui, porque é muito legal! Entramos com processo (no Consulado), foi super rápido naquela época e em agosto a gente estava aqui”, conta Zwy.
Para o engenheiro a grande vantagem de viver em Portugal é a segurança. “A gente não tem esse tipo de preocupação aqui. Acho incrível isso aqui, não preciso olhar pro lado, não preciso olhar pra trás, não preciso achar que alguém vai aparecer e ferir a gente”.
Além disso, para Zwy, a animosidade entre portugueses e brasileiros é coisa do passado. “As pessoas são simpáticas ao contrário do que falavam sempre. Os portugueses recebem muito bem e temos vários amigos aqui. A gente viaja pelo país, que é pequeno, e dá pra ver muita coisa e acaba aprendendo a história do país”, conta Zwy, que se diz realizado em Portugal.
Ele afirma que, do Brasil, a saudade é apenas dos amigos, dos lugares pelos quais passou e dos prédios que construiu. No Natal do ano passado, esteve em São Paulo para visitar os parentes e foi novamente assaltado. “Se existia ainda algum resquício de vontade de voltar, não tenho mais nenhuma. A paz que tenho aqui não tem preço”.
Residência temporária
Inicialmente, a autorização de residência temporária tem validade de um ano. Após a primeira renovação, o documento deve ser revalidado a cada dois anos. Após seis anos de residência legal, a pessoa pode solicitar a nacionalidade portuguesa.
Para obter a autorização, é preciso fazer como Lurdes, que deu entrada no pedido ainda no Brasil, no Consulado de Portugal. Há uma série de documentos que são exigidos nessa primeira etapa, como comprovante de rendimentos e certidões negativas da Justiça.
Ao chegar em Portugal, é necessário procurar pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para apresentar documentação complementar e agendar uma entrevista pessoal.
“O meu processo de obtenção do visto foi um pouco complicado, por problemas de comunicação com o Consulado, mas depois que tive apoio de um escritório de ajuda aos migrantes aqui em Lisboa, tudo ficou mais fácil”, disse Lurdes.
Outros tipos de autorização de residência
É importante ressaltar que há outros tipos de autorização de residência, como a “Autorização de Residência por Investimento”, conhecida como visto gold; a Autorização de Residência Permanente e a Autorização de Residência Não Habitual.
Há ainda diferentes vistos para quem quer residir em Portugal e não tem a cidadania, como os de trabalho ou estudo. Os interessados devem procurar informações específicas sobre os diferentes tipos de visto e as documentações necessárias.
Nacionalidade
Os brasileiros foram os que mais receberam nacionalidade portuguesa no ano de 2016. Neste ano, a nacionalidade lusitana foi concedida a pouco mais de 25 mil pessoas, entre as quais estão 8 mil brasileiros, ou seja, 31% do total.
Entre os brasileiros que adquiriram, em 2016, nacionalidades europeias, 36,3% foram obtidas em Portugal; 27% na Itália e 15,4% na Espanha.