O envolvimento português nos acontecimentos de maio de 1968 foi sobretudo protagonizado por estudantes-trabalhadores que serviram de ponte entre os sindicatos e a emigração clandestina.

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O historiador da Universidade de Pau et des Pays de l'Adour, Victor Pereira, refere que existem estudos de sociologia, elaborados em França logo após o Maio de 68, que mostram que muitos portugueses, sobretudo nas fábricas, não boicotaram greves e que participaram nos acontecimentos até porque havia estudantes-trabalhadores politizados e que falavam francês e que fizeram a ligação entre o movimento sindical e os emigrantes.

"Não podemos ter visões monolíticas, de que todos os portugueses tiveram medo e fugiram, porque isso não é verdade. Houve uma organização importante como o Comité de Ação da Sorbonne e um Comité de Ação dos Trabalhadores e Estudantes Português que tinha a ideia de que a revolta não se limitava ao meio académico. Os estudantes lançaram a faísca, mas os operários é que tinham de continuar a luta", sublinha o historiador à agência Lusa.

Em 1968, viviam em França cerca de 200 mil portugueses sendo que muitos "tinham ido a salto" (clandestinamente) a partir do final dos anos 1950, eram indocumentados, não dominavam totalmente a língua e viviam como operários em bairros de lata, em casas muito degradadas ou em alojamentos para estrangeiros, sobretudo na região de Paris.

Segundo Victor Pereira, quando surgem os tumultos de 68 em Paris muitos dos portugueses não entendem o movimento porque a grande parte trabalhava na construção civil (obras públicas), um meio pouco sindicalizado e que não permite, como numa fábrica, ter uma unidade fixa e consequentemente promover a sindicalização.

"Por outro lado, é preciso distinguir quem são os operários e quem são os estudantes, porque a partir de 1961, com o início da Guerra Colonial e da revolta estudantil em 1962 muitos estudantes portugueses vão para França e são obrigados a trabalhar porque cortaram com a família, têm pouco dinheiro e são obrigados a encontrarem emprego, muitos deles em fábricas", diz o autor do livro "A Ditadura de Salazar e a Emigração".

Muitos estudantes portugueses são refratários e têm uma visão diferente dos acontecimentos porque têm um "capital cultural diferente" do que a maior parte da comunidade emigrante e que ao contrário dos trabalhadores sabiam que não podiam voltar - por motivos políticos - enquanto que os emigrantes pretendiam regressar quando tivessem dinheiro e que muitos queriam visitar Portugal nas férias.

"Em França, os estudantes e os refratários portugueses podem fazer coisas que dificilmente podem fazer em Portugal que é falar e contestar e explicar diretamente os acontecimentos aos trabalhadores portugueses que vêm de comunidades rurais", explica o historiador acrescentando que, sobretudo nas fábricas, os trabalhadores-estudantes portugueses desempenham um papel muito importante na intermediação entre os sindicatos e os operários.

Na altura, frisa o historiador, os trabalhadores-estudantes faziam panfletos em português e organizavam visitas aos bairros de lata como "tentativas" de ações de politização dos emigrantes clandestinos que receavam estar vigiados pela polícia política do Estado Novo para os perseguir e expulsar de França.

A maior parte desses estudantes eram maoistas, anarquistas ou sem organização, mas "estavam desvinculados" do PCP que era apontado como um partido ortodoxo.

"Muitos militantes do PCP não participaram no Maio de 68 porque temiam ser vistos pela polícia ou pelo informador da PIDE. É quase um paradoxo: os comunistas eram as pessoas que mais capital político tinham e quase não participaram nos acontecimentos. Quase nunca iam ao Quartier Latin, em Paris, onde os cafés eram frequentados pela extrema-esquerda, mas onde temiam ser apontados pelos 'bufos' e informadores da PIDE", sublinha Victor Pereira.

O historiador destaca que no final da década de 1960 aumenta também o número de emigrantes portugueses em França entrando no país, em média, cerca de 400 portugueses por dia provocando o aparecimento de jornais, movimentos e associações.

Por outro lado, a influência dos protestos e das próprias condições de vida e de trabalho dos portugueses em França é notada em território português.

"No outono de 1969 há várias greves no Vale do Ave e a PIDE tenta compreender quem são os organizadores. Alguns agentes da polícia política explicam mesmo que os comunistas e o PCP não estão na origem das paralisações. O que explica a greve foi a emigração e a influência daqueles que vêm de França de férias e que referiam a melhoria das condições de vida em território francês", diz o historiador com base na consulta dos arquivos da polícia política.

In «Revista Port»