Não, caros leitores, o título não é meu.
Gostaria que fosse, mas não é. Foi uma lindíssima expressão que José Tolentino Mendonça nos deixou quando cá esteve, naquele que foi para mim um dos grandes acontecimentos de 2017, a sua conferência no Fórum Madeira Global.
Neste evento, a reunião magna anual das Comunidades Madeirenses, que tem como princípio fundamental garantir uma maior participação dos nossos conterrâneos espalhados pelo mundo e prestar assessoria ao Governo Regional no quadro da definição das políticas para o sector, o padre e poeta brindou todos os presentes com um elogio absolutamente único à sua terra-natal.
Deixou-nos uma das mais belas laudes à Madeira que tive oportunidade de assistir ou de ler. Porque descreveu na perfeição aquilo que tantos de nós sentem na relação com esta terra que nos viu nascer.
“A Madeira é um útero, um vácuo cósmico onde o tempo não corre, o colo de um vulcão maternal.” É, temos da Madeira a imagem antropomórfica de uma mãe, de uma filha, de uma amante. De uma mulher viva! E por isso, quando partimos, levamo-la connosco. Porque nunca deixamos para trás quem amamos.
E como qualquer paixão, a nossa relação com a ilha assenta na sua maior riqueza.
“Como outras terras são abundantes em recursos minerais, como o ferro ou o cobre, para não falar já do ouro e alimentam uma indústria que faz a riqueza dos seus povos, o minério da Madeira é o espanto”.
As migrações são parte indissociável da história e da cultura madeirense. É a idiossincrasia do nosso ADN. Por isso, os nossos emigrantes e os seus lusodescendentes espalhados pelo mundo são parte integrante da população madeirense. Mas, ao mesmo tempo, sempre tiveram um papel preponderante na divulgação e na dignificação da Região e do País nas nações e países onde residem. E enriqueceram essas comunidades com este espanto que carregam no olhar. Porque, para onde quer que sigamos, “somos guardiães e exportadores de espanto”.
Num momento difícil para uma das nossas maiores comunidades na diáspora, como é o caso da comunidade madeirense residente na Venezuela, temos de nos lembrar que “a Ilha é como o globo luminoso de uma lâmpada, uma incandescência, o ponto de uma estrela a fazer a chamada de todos os nomes.” E que quando faz a chamada, todos os nomes contam. Todos os nomes se apresentam. E como qualquer estrela, nasce sempre para todos.
Os nossos emigrantes, aqueles que se foram, “são ubíquos, estão na diáspora do mundo e continuam inscritos aqui, conjugadores de mundos visíveis e invisíveis. De facto, podemos estar a milhares de quilómetros de distância e nunca ter provado uma extraterritorialidade efetiva em relação àquela paisagem original que trazemos dentro de nós e guarda a porção sagrada do nosso passado. Não admira que a Madeira, no plano sonhado, tenha uma força centrífuga que nos prende a mil braças de profundidade, que atua no inconsciente e se desdobra com gestos infindos na nossa memória. A sua lava adormecida é uma linfa permanentemente desperta. Mesmo quando fugimos dela, ela corre em nós. A lava não é só o sangue da terra: é também o nosso”.
Mas que bela forma de terminar um texto que, tudo o que de bom tem pertence ao Padre Tolentino, para homenagear a nossa Diáspora!
Que a palavra do poeta nos inspire a olhar de forma humanizada não apenas para a ilha, mas também para as migrações que dela partem e que a ela regressam. E que nos inspire a ser, para sempre, os guardadores do espanto!
PS - As citações são todas de José Tolentino Mendonça, retiradas dessa magnífica conferência que proferiu no Funchal, em Agosto de 2017.