A estimativas são do Observatório da Emigração. Comparam as saídas do país em 2012 com as registadas em 2016. Os portugueses que partiram querem regressar, só não sabem quando.
Numa tarde de Dezembro, pelas 16h (hora local na Noruega), quando Pedro Duarte atende o telefone, já não há luz natural em Tromso. Entre Novembro e Janeiro, na cidade acima do Círculo Polar Árctico, o sol não passa a linha do horizonte, mas o biólogo marinho, que trabalha no Instituto Polar da Noruega desde 2012, já está habituado. “Agora, só se volta a ver o sol no final de Janeiro”, diz conformado.
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Como tantos outros portugueses foi a crise que motivou a saída de Pedro para o estrangeiro quando, na verdade, “não tinha vontade nenhuma de sair de Portugal”. Era professor numa faculdade no Porto mas mesmo assim tinha receio. Depois dos cortes no ordenado e das sobretaxas, o pior cenário era perder o emprego. “Provavelmente não teria acontecido isso, mas eu não sabia.” Então, “decidi que tinha de mudar de vida”. A mulher e as filhas estiveram para ir, mas isso acabou por não acontecer e o investigador, agora com 53 anos, vive sozinho na Noruega.
Actualmente divide o tempo entre o trabalho de modelação matemática dos ecossistemas marinhos, que “basicamente consiste em tentar prever a evolução dos ecossistemas”, e as visitas a Portugal. O futuro é incerto, mas o biólogo tem uma certeza: “Hei-de voltar, nem que seja para a reforma."
Em 2012, quando decidiu emigrar para a Noruega, outros 105 mil portugueses fizeram o mesmo (no ano anterior tinham sido 85 mil). Em 2013, esse valor voltou a aumentar (120 mil). E só em 2014 houve sinais de que a tendência se podia inverter. Nesse ano saíram 115 mil portugueses do país. Em 2015 optaram por essa via 110 mil.
A tendência de decréscimo tem-se mantido, pelo que, «já não é um movimento pontual», nota Rui Pena Pires, responsável pelo Observatório da Emigração. Em 2016, 100 mil portugueses emigraram.
Apesar da diminuição, «vamos demorar a retomar os níveis de antes da crise». Para o investigador, «a única coisa que poderá acelerar a descida deste fenómeno é a crise dos países de destino».
“É normal que a emigração continue”, comenta Rui Pena Pires. Por um lado, porque “Portugal ainda não está num processo de expansão económica muito forte”. E por outro, porque “quando a emigração cresce mais, a certa altura, fica menos sensível aos incentivos económicos”.
Reino Unido e Angola aceleram decréscimo
A redução do número de saídas de Portugal em 2016, mais acelerada do que nos dois anos anteriores, deve-se “à diminuição, pela primeira vez, da emigração para o Reino Unido e para Angola, que eram dois dos principais países de destino e que se mantinham estáveis apesar dos outros já estarem a descer”. No caso do Reino Unido, o decréscimo foi de 5% e, em Angola, o número de saídas que tiveram o país angolano como destino desceu quase para metade.
Quanto à expectativa para os próximos anos, “não é provável que em 2017 os factores que estiveram na origem do decréscimo no Reino Unido e em Angola mudem muito”. No primeiro caso, a incerteza em relação ao Brexit e, no segundo, a desvalorização da moeda angolana motivada pela crise do petróleo. Pelo que estes números devem continuar a diminuir.
Os movimentos para Espanha, pelo contrário, aumentaram entre 2015 e 2016. Mas, mesmo assim, o acréscimo de 15% “não compensa a diminuição da emigração para outros destinos”.
Maioria dos emigrantes ainda é pouco qualificada
Apesar da recente vaga de emigrantes licenciados, “a emigração continua a ser maioritariamente de mão-de-obra mesmo muito pouco qualificada”.
A excepção são os países do Norte da Europa que, mesmo assim, têm “fluxos migratórios muito reduzidos”, e o Reino Unido, onde um terço dos emigrantes portugueses têm cursos superiores. Em todos os outros países, o número de licenciados é igual ou inferior a 10%, diz Rui Pena Pires.
Segundo dados disponibilizados pelo Observatório da Emigração sobre os emigrantes portugueses nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para o período entre 2010 e 2011, 62% tinham o ensino básico, 27% acabaram o secundário e apenas 11% completaram um curso superior.
Os dados, que têm por base informação relativa aos censos, indicam que 19% dos emigrantes nesse período eram dirigentes e altos quadros, 58% eram trabalhadores de qualificação intermédia e 23%, trabalhadores não qualificados.
Mais oportunidades profissionais
Filipa Pestana, de 26 anos, vive há quatro anos na Suécia. Foi para estudar a fundo o Médio Oriente e agora trabalha numa startup focada em comércio electrónico. A vida corre bem e apesar das saudades da família e amigos, é categórica: “Não tenho perspectiva de voltar para já.”
Já a experiência de Lídia Pereira fora de Portugal começou na Bélgica, para onde foi estudar. Depois, passou por dois anos no Luxemburgo e regressou à Bélgica recentemente, onde trabalha numa consultora. “Cheguei a ter uma proposta [para trabalhar em Portugal], que acabei por recusar porque aqui as condições eram melhores e era um salto na carreira.”
Estar na Bélgica também é uma opção estratégica. Lídia Pereira, que é a vice-presidente da juventude do Partido Popular Europeu, tem vontade de voltar mas, por enquanto, quer “desfrutar do país e tirar o máximo proveito”. Depois, “quero levar tudo aquilo que aprendi” para Portugal.
Para a bióloga e investigadora Ana Luísa Nunes, que já esteve em Itália, na África do Sul, na Suécia e que, em breve, parte para o Reino Unido, o regresso depende do mercado de trabalho. Voltar de vez é “sempre uma perspectiva tentadora, mas só se encontrar um bom trabalho na área, o que duvido muito que aconteça”.