Existe ou não uma forma diferente de pensar, falar e viver na Madeira, uma maneira própria de ser português? Paulo Miguel Rodrigues, professor universitário e responsável pelo Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais da Universidade da Madeira, entende que existe e tem até uma palavra para o definir: madeirensidade. Um assunto que, de certo, passará pelo III Colóquio Internacional Insula, um encontro que reúne no Funchal especialistas de todo o mundo em temas insulares.
O tema não é pacífico, a palavra também não e Paulo Miguel Rodrigues, historiador e professor na Universidade da Madeira, reconhece que sempre que fala do conceito de madeirensidade o que costuma prevalecer “é o preconceito”. O que não tem atrapalhado a reflexão que faz há anos sobre esse modo de ser madeirense, onde coloca as questões políticas, económicas, linguísticas, literárias, culturais e psicológicas. O conceito ultrapassa ideologias partidárias e tem raízes que vão além da autonomia regional e do combate político dos últimos 40 anos.
As primeiras ideias a propósito de uma identidade própria dos madeirenses – a tal madeirensidade – remontam, segundo o historiador, ao início do século XIX, altura em que surgiram as primeiras propostas de autonomia, mas foi a partir da I Guerra Mundial que o tema começou a ser tema na imprensa madeirense, influenciados em parte pela questão irlandesa e ampliados pelo primeiro bombardeamento alemão ao Funchal em 1916, quando os madeirenses se sentiram abandonados pela República e se começou a falar da necessidade de uma comissão patriótica de protecção e defesa dos interesses madeirenses.
O ímpeto autonomista e do ser madeirense ganhou fôlego, segundo Paulo Miguel Rodrigues, na década de 20 do século XX por altura dos 500 anos do achamento da Madeira, mais ou menos na mesma altura em que Vitorino Nemésio começou a falar de açorianidade nas tertúlias coimbrãs onde participaram madeirenses como Cabral Nascimento, homem que dizia que os madeirenses eram portugueses, mas já não eram portugueses acima de tudo. Já das celebrações dos 500 anos do achamento saíram ideias para a elaboração de um estatuto autonómico e um congresso regional madeirense, o que acabou por não acontecer.
Os anos 30 do século passado acabariam por ser muito duros para os madeirenses. Em 1930, as casas bancárias da praça financeira do Funchal fecharam, depois seguiram-se anos de revolta. A revolta da farinha em 1931, seguido de um levantamento militar e a revolta do leite de 1936, o que levou a uma repressão forte por parte do Estado Novo. As elites locais adaptaram-se silenciaram a questão da identidade insular madeirense até 1974, mas a Madeira continuou a ser um arquipélago, um território insular, que não era colónia, nem era metrópole, “era uma adjacência”.
Um território de fronteira no império português e, além disso, uma ilha. E as ilhas emergem, lembra o professor Paulo Rodrigues, como espaços que são em simultâneo “prisão exilante e refúgio paradisíaco e, por vezes, como no caso da Madeira, lucrativo, entreposto de trânsitos múltiplos e miscigenadores”. Ao mesmo tempo “espaço de consolidação identitária e lugar de risco; um local de renascimento e morte”.
III COLÓQUIO INTERNACIONAL INSULA
As ilhas são territórios marcados pela distância, onde a natureza determina tudo ou quase tudo na vida das comunidades, onde não se pode estudar a cultura sem a interligar com a dimensão natural. Este é o ponto de partida para o III colóquio internacional Insula que reúne do Funchal até 12 de novembro especialistas em temas insulares vindos de todo o mundo. Mais de 100 académicos vão debater a realidade insular e a influência na língua, na literatura, na arte e na arquitetura dos espaços urbanos insulares e de como essas cidades periféricas irão sobreviver aos desafios atuais das alterações climáticas e de uma economia em rede.
Ana Salgueiro, do Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais da Universidade da Madeira, o organizador deste encontro, explica que, na verdade, juntaram-se na Madeira a plataforma Insula – que pertence ao CIERL – e o ICUA – uma plataforma de estudos insulares com sede em Copenhaga. E que a par de tudo isto decorrem exposições, visitas ao Parque Natural da Madeira, projeção de filmes num evento que se pretende abrir ao grande público, “que quer deixar a academia e debater com a comunidade os desafios que se colocam às cidades insulares”.
Os desafios são aqueles que, neste momento, se colocam ao mundo. “A questão aqui é saber como é que estes territórios, estas comunidades insulares e periféricas irão enfrentar temas tão prementes como as questões ambientais, as alterações climáticas, como irão sobreviver nestas sociedades e economias cada vez mais em rede”. No Funchal estão 100 especialistas com origens diversas dos Estados Unidos à Austrália, Itália e Dinamarca, Espanha e Índia, Açores e Canadá. O evento não esquecerá as questões da igualdade de género. Todos os oradores convidados são mulheres já que, também nos estudos insulares, existe uma prevalência de homens, refere Ana Salgueiro.