O direito ao voto para as eleições legislativas regionais é uma aspiração tão antiga quanto legítima e justa dos nossos emigrantes espalhados pelo mundo.

 

Dr. Sancho


Em agosto passado, teve lugar a primeira reunião do Conselho da Diáspora Madeirense – órgão consultivo do Governo Regional que integra 21 representantes, provenientes das principais e mais relevantes comunidades madeirenses espalhadas pelo mundo. Dessa reunião emanou um conjunto de conclusões importantes para a definição de políticas, quer por parte dos órgãos regionais, quer por parte da República Portuguesa.
Dessas, a mais importante recomendação política terá sido a 6ª, em que foi considerado que “(...) fiel ao espírito dos princípios constitucionais que consagraram a Autonomia Político-Administrativa da Madeira, deve ser conferida aos Madeirenses que aprofundam a Região no Mundo, o direito ao voto nas eleições legislativas regionais”. Mais acrescentou que numa comunidade que é apresentada simbolicamente como a que a “nona ilha”, é por “demais justo e curial que esta, até por ser a “ilha” mais povoada, goze dos mesmos direitos de participação cívica, política e eleitoral das restantes ‘oito ilhas’.”
O direito ao voto para as eleições legislativas regionais é uma aspiração tão antiga quanto legítima e justa dos nossos emigrantes espalhados pelo mundo. Porque se sentem – são! – madeirenses de pleno direito e porque desejam participar ativamente na vida política da terra que os viu nascer. Contudo, esta aspiração tem esbarrado na interpretação absolutamente centralista e soberanista do Tribunal Constitucional, apoiada por alguns outros constitucionalistas de visão conservadora. Os argumentos são reincidentes: a violação dos artigos 4.º (unicidade da cidadania), 6.º (forma unitária do Estado) e 225.º, n.ºs 1 e 3 (incidência territorial da autonomia, limitação da autonomia pela integridade da soberania do Estado) da Constituição.
Não sendo constitucionalista, parece-me claro que o n.º 1 do Artigo 225º - onde se lê que “O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares” -, é revelador de que a Constituição admite a possibilidade de voto dos nossos emigrantes. Porquê? Porque reconhece especificidades sociais e culturais próprias ao povo madeirense que, não o tornando já numa nação, pelo menos estabelece que a Região Autónoma da Madeira não é apenas uma mera pessoa territorial coletiva, como o são as autarquias. Ante, reconhece Madeira como entidade que contém um substrato humano, suportado em idiossincrasias próprias. Julgo que neste ponto a Constituição abre a porta ao direito de voto dos emigrantes porque não restringe o colégio eleitoral apenas ao território, conferindo a essa territorialidade um carácter humano, com características sociais e culturais autênticas e próprias. Desta forma, não pode impedir que elementos que integram essa entidade, de características sociais e culturais identitárias, participem na vida política desse mesmo território e dessa mesma comunidade.
Este é um direito que parece reunir a unanimidade das forças partidárias madeirenses e que a Assembleia Legislativa da Madeira tem tentado consagrar no Estatuto Político-Administrativo.
De acordo com as informações que têm sido tornadas públicas, o Grupo Parlamentar do PSD-Madeira continua a liderar este processo e irá consagrar esse direito, uma vez mais, no Estatuto (em revisão). Creio não estar enganado se disser que todos nós, madeirenses de alma e coração e de cuja condição não abdicamos – a condição de ser madeirense! – subscrevemos esta proposta que visa consagrar em lei aquilo que mais não é do que um direito de nascimento de todos nós. JM
*“Nona ilha” - Conceito criado pelo historiador Alberto Vieira.

 

In «Jornal da Madeira»