Passados seis meses desde a formalização do pedido britânico de saída da União Europeia, as negociações mostram pouco progresso, em parte devido à indefinição do governo de Theresa May, mas também por causa da inflexibilidade de Bruxelas, dizem analistas políticos.

Londres

 

Quando ativou o artigo 50º. no dia 29 de março, a primeira-ministra britânica prometeu um espírito "construtivo, respeitoso e de cooperação" e a ambição de alcançar um "acordo ambicioso" de livre comércio, todavia o ambiente nas negociações tem sido tenso.

"Ninguém devia ter ilusões de que estas negociações iam ser muito difíceis. São 40 anos de 'entrelaçamento' entre a UE e um dos seus maiores Estados-membros. É uma parte substancial do orçamento da UE e as negociações iam ser sempre complexas e difíceis. Mas o progresso tem sido ainda mais limitado e o contexto das negociações ainda mais tenso e difícil do que poderíamos ter esperado", admitiu Emma Carmel, investigadora da Universidade de Bath sobre política europeia.

O principal problema, disse à agência Lusa, tem sido a falta de clareza da parte do Governo britânico devido à divergência de opiniões existente no partido Conservador e, ao mais alto nível, entre ministros.

O grupo que prefere um Brexit mais "ameno" e facilitado por um período de transição inclui o ministro das Finanças, Philip Hammond, enquanto os que favorecem uma saída "limpa" e sem restrições contam com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson.

O resultado das eleições legislativas de junho, que ditaram o fim da maioria absoluta no parlamento, tornou Theresa May vulnerável nas negociações, pois ficou enfraquecida dentro do país e do próprio partido.

Esta situação, afirmou Steven Fielding, professor de ciência política e relações internacionais na Universidade de Nottingham, "dificultou um processo muito difícil sobre uma questão muito fraturante. Nada de substancial foi acordado devido ao lado britânico".

Como nenhuma das fações dentro do partido é suficiente para mobilizar os Conservadores, explicou, Theresa May vai continuar em funções e os "tories" terão de ceder naquele que é o tema mais controverso, o chamado "cheque do divórcio".

"Assim que consigam ultrapassar esse obstáculo, provavelmente no outono, então é que as negociações vão começar. Terão de chegar a um acordo, independentemente do que os conservadores acham", garantiu Fielding à Lusa.

Na passada sexta-feira, a primeira-ministra proferiu um discurso em Florença que pretendia clarificar a posição oficial e ter um efeito "desbloqueador" na quarta ronda de negociações, que decorre esta semana, propondo contribuir financeiramente durante um período de transição.

Mas o negociador-chefe da UE, Michel Barnier, reiterou que a futura relação só poderá ser discutida após um acordo sobre as condições de uma "saída ordenada", incluindo os direitos dos cidadãos europeus e britânicos, a fronteira entre Irlanda do Norte e República da Irlanda e o montante que o Reino Unido terá de pagar pelos compromissos assumidos enquanto membro.

Paul Whiteley, professor de ciência política na Universidade de Essex, está cada vez mais pessimista sobre a possibilidade de um entendimento, não apenas devido à indefinição britânica, mas sobretudo por causa da inflexibilidade da parte de Bruxelas.

"Na minha opinião levanta um ponto de interrogação sobre o compromisso do lado da UE de negociar de boa-fé. Eles estão interessados em chegar a um acordo razoável ou em punir o Reino Unido por causa do Brexit?", questiona.

O risco de um tombo da libra e do euro nos mercados e de outra crise financeira em ambos os lados do Canal da Mancha pode ter consequências económicas e políticas, avisou o académico: "As eleições alemãs mostram que a vaga populista na Europa está longe de ter acabado e o meu receio é que, se o impasse persistir, pode ser ganhar outro impulso e tornar os mercados financeiros cada vez mais preocupados com o resultado".

Emma Carmel, investigadora da Universidade de Bath, acredita que o desbloqueio das negociações pode surgir da diferença de interesses entre os 27 em termos económicos, mas também de valores e ideologias.

"A viragem vai chegar quando já não for a Comissão a decidir e passarem a ser os políticos. A UE tem uma forma muito especial de funcionar, alternando entre a vertente técnica e a política. Eventualmente, o acordo final vai depender dos políticos dos diferentes Estados-membros. São eles que vão ter de decidir", afirmou.


In RTP.pt