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ACOLHIMENTO DE REFUGIADOS É OBRIGAÇÃO – DESMISTIFICAÇÃO DE MITOS

Desde que foi feito o anúncio de que a Região está disponível para colaborar no esforço nacional de acolhimento de refugiados de guerra, terrorismo e fome que se gerou algum burburinho social, havendo algumas manifestações contra essa intenção, assentes no medo e no desconhecimento.

Ainda que pontuais, porque felizmente o povo madeirense mantém-se fiel aos seus valores cristãos, honrando a sua história e tradição ao nível do acolhimento do Outro, consideramos importante prestar alguns esclarecimentos para desmistificar preconceitos que subsistem.

Não está definido o número de refugiados que virão para a Região. Contudo, será um número de pessoas que a Região tenha capacidade para acolher e integrar, sem qualquer transtorno a nível social e económico.

Uma coisa é certa: as pessoas que virão para Região serão integrada sem qualquer processo de assimilação mas com a firme convicção de que os nossos valores irão manter-se como padrão. Todo refugiado tem deveres para com o país em que se encontra, os quais compreendem a obrigação de se conformar às leis e regulamentos, assim como às medidas tomadas para a manutenção da ordem pública. Essa é uma obrigação a que todos estão sujeitos.

Determina, igualmente, a legislação portuguesa que os refugiados sejam acompanhados pelas autoridades locais, como forma de garantir a sua integração e segurança.

Por outro lado, os eventuais apoios que sejam concedidos aos refugiados jamais condicionarão outros apoios sociais destinados aos madeirenses que, por qualquer desventura de vida, deles necessitem. Isso não seria admissível politicamente, nem viável legalmente, uma vez que os apoios para uns e para outros vêm de rubricas diferenciadas. Aliás, é público que a União Europeia comparticipará as despesas com o acolhimento de refugiados, verba essa que não pode ser utilizada em outras ações.

O estatuto e a condição de refugiado também manter-se-á apenas durante o período em que vigorar as condições que levaram à cedência de asilo, isto é, a guerra e o terrorismo.

De notar que não estando ainda definido o grupo de pessoas que se refugiará na Região, não conhecemos também as suas necessidades a nível social. Alguns deles poderão não ter qualquer necessidade de apoio social, como aconteceu, por exemplo, aquando do refúgio dos cerca de 2000 gibraltinos que vieram para a Madeira durante a segunda Grande Guerra, onde cerca de metade pôde suportar, a suas expensas, as despesas com essa estadia. Aliás, entre 1940 e 1944, viveram no Funchal cerca de 2000 cidadãos provenientes de Gibraltar, tendo contribuído indelevelmente para o enriquecimento cultural e para o cosmopolitismo da cidade. Estes movimentos não depauperam, per se, os locais de refúgio: podem, igualmente, enriquecê-los.

Relativamente aos receios, é necessário esclarecer que estas pessoas estão a fugir da guerra e do terrorismo. Por mais legítimo que seja, os refugiados não procuram necessariamente melhores condições de vida: procuram sobreviver a regimes ditatoriais extremamente repressivos, às perseguições política e por delito de opinião, aos bombardeamentos e aos bárbaros atos terroristas que os perseguem. Lutam pela sua própria sobrevivência e pela sobrevivência dos seus, muitos deles, crianças de tenra idade.

Ainda não está definida a proveniência dos refugiados, sendo de admitir que não sejam apenas de uma nacionalidade, conforme tem vindo a ser especulado. Poderão ser provenientes de diversos países. Muito menos podemos inferir que sejam crentes de uma única religião. A título de exemplo, a população síria é constituída por diversos grupos étnicos (árabes, gregos, arménios, assírios, curdos, mandeus e circassianos) e religiosos (sunitas, xiitas, cristãos, alauitas, yazidis, mandeus, drusos). Conforme se pode ver, muita diversidade. E se forem sírios, relembramos que desde 1963 que este é um estado laico, sendo tradição dos povos levantinos, como é o caso do sírio, um certo ecumenismo, coexistindo diversas religiões naquela nação, com respeito e tolerância pelos diferentes credos.

As estimativas apontam para cerca de 1 milhão de madeirenses a viver fora da Região (entre madeirenses de 1ª, 2ª e 3ª geração). Arriscamos dizer que todos os madeirenses residentes têm pelo menos um familiar emigrante. Sabemos que nem todos foram bem acolhidos e a discriminação de que foram alvo ainda hoje nos provoca uma justa indignação. Por uma questão de reciprocidade temos o dever de garantir um acolhimento solidário e fraterno a todas aquelas famílias que, em desespero, olham para nós como porto de abrigo e local onde possam viver e prosperar em paz, com a garantia de que não serão alvo de perseguições ou de qualquer tipo de exclusão e/ou discriminação.

Também temos a obrigação de nos lembrar que a Região foi alvo, por diversas vezes, da solidariedade de outros povos, como aconteceu aquando do 20 de fevereiro, onde recebemos dádivas de algumas nações, até mesmo de algumas em vias de desenvolvimento, logo mais pobres que nós.

Mais, devido a perseguições de carácter político ou religioso, ao longo dos séculos, muitos madeirenses tiveram que se exilar no estrangeiro, tendo recebido por parte desses países e dessas populações o apoio e acolhimento que agora nos é solicitado.

Neste momento, residem na Região 5697 estrangeiros. Serão cerca de 700 muçulmanos. No pico das obras públicas, em que tínhamos um número muito elevado de imigrantes, o valor rondava os 7 milhares de pessoas. Mesmo nesse período vivemos em clima de paz social, com uma sã convivência entre naturais e estrangeiros.

A Madeira, como Região turística, está habituada a receber bem. Não há razões para que essa nobre tradição e característica do Povo Madeirense não seja, uma vez mais, observada, neste momento em que somos convocados a ajudar o Outro.

Sigamos o exemplo do Papa Francisco, que fez de Lampedusa um dos seus primeiros gestos de manifestação concreta da caridade cristã. Mais recentemente, lançou o apelo para que todas as comunidades católicas da Europa acolham uma família de refugiados, anunciando que ele começaria pelas duas paróquias do Vaticano.

Num “gesto concreto” em preparação do jubileu da misericórdia que começa em Dezembro, incitou a “que cada paróquia, cada comunidade religiosa, cada mosteiro, cada santuário da Europa acolha uma família”. Sigamos, pois, este exemplo.