Cláudio Alho é um jovem de 21 anos de idade, formado em Tecnologias de Informação, que tem uma paixão pela música e pelo folclore português. Parte do Rancho Folclórico da Casa Social da Madeira de Pretória ainda no ventre da mãe, teve o primeiro acordeão aos quatro anos de idade.

ClaúdiaAlhoAcordeão

Hoje, Cláudio é formado e treinado para reparar e afinar acordeões, após ter feito um curso para tal em Itália. Por ocasião do Dia de Portugal, o Século de Joanesburgo foi saber junto deste jovem português o porquê da paixão pelo instrumento que toca e pelas tradições portuguesas. Na Casa do Benfica de Pretória, na Associação da Comunidade Portuguesa de Pretória, Cláudio Alho falou ao nosso semanário.

Michael Gillbee – Conte-nos um pouco do seu historial.

Cláudio Alho – Nasci em Pretória onde tenho estado toda a minha vida. Estudei na Lynnwood Ridge Primary School, fiz a Pretoria Boys High e depois a Varsity College Pretoria. Fiz o curso de Tecnologias de Informação e Desenvolvimento de Software no Varsity College.

MG – E onde é que trabalha?

CA – Trabalho em Kempton Park, mas não estou nas Tecnologias de Informação. Estou a trabalhar em “Business Development”, ou seja, “Criação de Negócios” por assim dizer. Algo completamente diferente.

MG – E como é que enveredou por esse meio?

CA – Conheço alguém na empresa onde trabalho e disseram-me que havia uma oportunidade e eu tentei. Nos dias que correm é tão difícil arranjar emprego, eu pensei que era fantástico.

MG – E o que é o “Business Development”?

CA – Na sua essência é trabalhar com os clientes. Eu trabalho com a empresa de vedação “ClearVu” – bem como com outros clientes – e mantemos uma boa re-lação, certifico-me que estão satisfeitos e encontrar novas empresas, na inteligência do mercado. Eu estou a gerir todo o mercado da Província do Gauteng.

MG – E viaja muito pela Província?

CA – Sim, bastante. Semanalmente vou a diferentes áreas da Província. Isto do “Business Development” não se resume apenas a encontrar novas empresas com as quais trabalhar, é construir uma relação estreita com os clientes. Fazemos campanhas, oferecemos brindes, inteligência de marketing e do mercado.

MG – O que é que o fez interessar-se pelas Tecnologias de Informação?

CA – Eu queria estudar Engenharia, mas o lado mecatrónico da engenharia, onde poderia desenvolver programas de computação conjuntamente com os engenheiros, a parte electrónica. Mas depois acabei por decidir entrar no desenvolvimento de software porque é o futuro. Com o incremento da tecnologia, a ciber segurança é uma factor enorme e foi algo que me agradou.

MG – E vai entrar nesse campo?

CA – Eu quero entrar nesse campo, mas mais tarde quando surgir a oportunidade.

MG – De onde é que os seus pais são oriundos?

CA – O meu pai é da Madeira. Da Ribeira Brava. E a minha mãe já nasceu aqui na África do Sul. Os meus avós de ambos os lados são da Madeira. O meu pai veio para a África do Sul com oito anos.

MG – Como é que se interessou pelo acordeão?

CA – É uma longa história. Quando nasci, os meus dois outros irmãos já não eram tão crianças. A minha mãe disse que deveriam ingressar no rancho. No Rancho Folclórico da Social da Madeira de Pretória. Fizeram parte do rancho durante muitos anos e a minha estava grávida de mim quando fazia parte do rancho, ainda tocava o tambor. Portanto, eu “nasci” no seio do rancho, por assim dizer. Sempre esteve comigo, sempre fiz parte.

E depois, aos quatro anos de idade, pedi para ter o meu primeiro acordeão. Eu disse que queria mesmo tocar, lembro-me perfeitamente de apontar para “aquele instrumento”. Era um acordeão pequeno, de cor verde.

Quando fui à Madeira, com o rancho, foi quando pedi o acordeão. Depois, aos sete anos de idade recebi o meu segundo acordeão, ligeiramente maior, porque fomos à América com o rancho.

Comecei a aprender todas as modas e canções e foi aí que me apaixonei e mergulhei a fundo no instrumento.

MG – O que é que o atrai a este instrumento? À música popular tradicional?

CA – Bem, eu pessoalmente sinto que o Mundo inteiro – não apenas os portugueses – está a perder tradições. Com toda a tecnologia, estamos a perder tradições e é bom ver o que eram e mantê-las.

MG – Frequentou uma escola de música?

CA – Frequentei a escola de música, mas só quando estava no Grade 8. Eu pensei, não quero tocar apenas coisas portuguesas, quero abarcar géneros musicais e estilos diferentes e de diferentes países. Fiz a formação teórica e prática clássica do instrumento e apercebi-me que este instrumento é capaz de fazer muito mais do que aquilo que pensava. E há diferentes tipos, há acordeão de botões, o diatónico, a sanfona, há mui-tos.

MG – E o seu acordeão é feito por medida para si?

CA – Em termos do instrumento, não é feito por medida, mas em termos estéticos é. Eu encomendei o acor-deão. Demorou três meses a ser feito e depois é que me foi enviado.

MG – E de onde é que vem o acordeão?

CA – Da Itália. Porque 95% dos acordeões vêm da Itália, são fabricados e enviados de lá.

MG – Qual é a marca do seu?

CA – A marca chama-se Bugari, com electrónica da Roland. O que eu tenho é digital. Possui a placa de som da Roland, o que me permite ligar a um sistema de altifalantes, tem uma coluna de som própria e tem vários simuladores de outros instrumentos. É topo de gama.

MG – Falou da tradição e de a manter. Para alguém que nasceu na África do Sul, fez toda a escolaridade aqui, para si é importante manter as raízes lusas?

CA – Sim. Pessoalmente acho que é vital, porque é quem eu sou, a minha família é. São as nossas raízes e a herança cultural. Sim, somos sul-africanos, mas vimos de uma nação, [pensa] de um passado – não sei se me faço entender – muito mais antigo e coisas que já passam de geração em geração.

MG – Com que frequência vai a Portugal?

CA – Infelizmente não vou com frequência. A última vez que estive em Portugal foi há sete anos. Não se pode, em termos financeiros também não é fácil. Mas, eu sinto que se vou manter a tradição, é como manter a tradição na Madeira.

MG – E fala Português? É algo que fala em casa?

CA – Não, infelizmente não. É algo que quero mudar, porque percebo pouco, falo pouco. É o próximo passo!

MG – E ainda faz parte do Rancho da Casa Social da Madeira de Pretória?

CA – Sim, ainda e com muito gosto! Faço parte do rancho literalmente há 21 anos. O meu pai nunca esteve dentro do rancho, mas sempre acompanhou para dar apoio.

MG – É algo que sente que está a morrer? O folclore português na África do Sul?

CA – Especificamente não lhe consigo dizer qual é a razão. Sei que os estilos de vida nos dias de hoje são diferentes e toda a gente está demasiado ocupada. Acompanhar a tecnologia, as redes sociais e isso faz com que se esqueçam das tradições. Constroem as próprias tradições e encontro que as pessoas hoje em dia são muito egoístas. Dizem “quero seguir isto, mas quero mudar as coisas para que sejam do meu agrado” e não, a tradição é tradição, não funciona dessa maneira. Alterá-las implica deixarem de ser tradições. Não consigo especificar uma única ou duas ou três causas em especial que estão a levar os ranchos a desaparecer, mas tenho visto as tendências do que tem estado a acontecer.

MG – Faz a sua melhor parte para as manter. Que mais acha que se deve ou pode fazer?

CA – [pondera] para manter as coisas vivas temos de fazer algo para atrair os jovens. Sim, mantenham a tradição, mas ao mesmo tempo introduzam coisas novas que atraiam os jovens para frequentarem os clubes.

MG – Tem o seu emprego, como é que arranja tempo para tudo? Colide com o emprego?

CA – Colide. Às vezes colide.

MG – Como é que gere a agenda?

CA – É muito difícil de gerir, porque o meu trabalho é das 7h às 18horas. Quando chego a casa no fim-de-semana ainda estou a pensar em trabalho. Isso impacta negativamente na minha música porque tenho pouco tempo para praticar. Porque aos fins-de-semana, estou em festas, estou a actuar. Tenho muito pouco tempo para me sentar e treinar. Portanto, é difícil de gerir, mas tento separar tudo.

MG – E a namorada é portuguesa?

CA – [sorri] Sim! Nascida na África do Sul.

MG – E como é que ela vê o impacto que tem no vosso tempo? Aprecia o que faz pela Comunidade?

CA – Nunca lhe perguntei isso. Mas acredito que sim, que aprecia e entende e também gosta. É ela agora que começa a perguntar ou a dizer onde é que há festas e eventos. É por isso que eu digo, é preciso incentivar e cativar os jovens a virem aos clubes e às festas.

MG – No futuro, o artista Cláudio Alho terá um CD?

CA – [sorri] É algo que já pensei fazer, mas infelizmente ainda não consegui dar seguimento. Já falei com várias pessoas que têm estúdios de gravação que me convidaram a ir gravar. É um projecto que tenho de planear e executar muito bem para que não seja um falhanço. Com tempo, acredito que irá acontecer. Porque também quando estou em actuação não toco o meu reportório completo, por isso um álbum musical será uma coisa boa.

MG – E que mais o motiva?

CA – Não quero só manter as tradições portuguesas vivas na África do Sul, mas também o acordeão. O ano passado fui a Itália fazer um curso para aprender a arranjar e afinar acordeões. Sou o único na África do Sul, com a qualificação da Itália, para poder reparar um acordeão.

MG – Onde é que foi na Itália?

CA – É a pequena cidade de Castelfidardo, na Província de Ancona. [sorri abertamente] É o mundo do acordeão! É o “Céu” do acordeão, porque todas as fábricas estão lá e porque todas as peças e as fábricas que as fazem estão todas lá. Não querem gastar dinheiro em transportar peças para outros pontos, assim o mundo do acordeão está centralizado em Castelfidardo.

MG: – Que conselhos é que dá a quem começa um instrumento ou quer manter uma tradição portuguesa aqui na África do Sul?

CA – Eu diria peguem na tarefa de cabeça! Porque algumas pessoas irão conseguir facilmente, outras com mais dificuldades, mas ainda farão qualquer coisa com determinação. As horas dadas a praticar ou treinar algo são sempre bem empregues. Irá conseguir fazer alguma coisa, não tenha medo. De cabeça enfrentem a tarefa! Às vezes é frustrante, mas é como o corredor ao embater numa parede, o que é que ele faz? Embate, continua e a certa altura consegue atravessar a parede.

Cláudio Alho é um jovem caracterizado pelo sorriso franco e pela calma. Seja na forma como fala ou no tom de voz. Tipicamente português, é afável e a estatura média e entroncada delineiam bem a proveniência e herança das raízes. Um jovem apaixonado por manter na África do Sul vivas as tradições musicais e folclóricas e será certamente uma luz brilhante no seio da Comunidade portuguesa.

In «O Século de Joanesburgo»